TSE: um tribunal que morde a maçã da política? 

Por Dra. Rosa Freitas ( 03/07/2023)

A primeira noção muito importante é que a Justiça Eleitoral não se restringe a julgar. É uma justiça que tem também uma importante função administrativa: faz o cadastramento dos eleitores, organiza as eleições, checa as urnas eletrônicas, processa os votos, tem por função garantir a lisura do processo e ao final julga candidatos, partidos, coligações e eventuais ilícitos práticos por tais candidatos. 
 

As últimas eleições foram muito atípicas e exigiu da justiça eleitoral uma atuação muito mais incisiva, para muitos bem vinda e capaz de realmente garantir o equilíbrio do processo político; e para outros, uma intervenção de fato no curso do processo.

O fato é que o Tribunal Superior Eleitoral -TSE e os TRE’s  têm uma composição variável com indicações do judiciário (TJ’s e TRF’) e membros escolhidos entre advogados. A composição variável dos Tribunais faz com que as interpretações legais mudem, sejam revistos entendimentos e o efeito da política real se torne presente. 
É uma justiça que flerta com a política e está muito próxima do poder. 
Pela primeira vez a atuação do Tribunal se deu por autopreservação. Aliás, a segunda vez, já que antes do julgamento de Bolsonaro, o TSE julgou o deputado Franscischini., do PSL -PR em 2021, que também questionou a lisura das urnas eletrônicas através de difusão de fake News, notícias que usam a rede mundial de computadores e não apresentam dados reais que comprovem o alegado. Observamos como no caso analisado há algumas semanas de Dellagnol que o TSE tem uma dinâmica de interpretação e de casuísmo ampliada. Diferente de outros períodos eleitorais é cada vez mais dinâmica e aberta sua interpretação do ordenamento jurídico, orientado por um conceito aberto de preservação do jogo democrático. Essa maior abertura do sistema jurido ao entorno político que o circunda, sua composição sempre renovável colocam o tribunal na tênue fronteira dos sistemas. A abertura cognitiva imprescindível para avaliar e intervir na política faz-nos indagar se a justiça eleitoral é realmente um sistema fechado e devidamente autorreferenciado. 
Assim, condenado por abuso de poder político, Bolsonaro questionou as urnas eletrônicos numa reunião convocada com embaixadores, ainda em 2021, por isso bem mais grave. Trouxe desconforto político e péssima imagem internacional, usou do espaço público que ocupava e do cargo como presidente. O voto do relator de 387 páginas fez uma retrospectiva de todo o período eleitoral, sob o olhar acurado de um observador que claramente tinha opiniões contrárias ao acusado. 
A condução do processo foi rápida e uma aposta do Partido Democrático Trabalhista -PDT. Há outras ações em curso sobre atuação do governo durante as eleições (como os bloqueios na região nordeste pela PRF de maioria lulista) e se o então presidente tinha conhecimento das ações que culminam com os eventos de 8 de janeiro de 2023. Mas, por trazerem um debate processual mais encorpado são ações que demandam tempo de amadurecimento. Apesar de que as ações eleitorais são de ritos rápidos, comparando-as àquelas tradicionais do processo civil e constitucional.
Muito mais que um fato politico isolado, a crise sistêmica do capitalismo levou ao recrudescimento do pensamento conservador radical, já que o apelo dessa ideologia de contra política é justamente de manipular os segmentos sociais que se veem prejudicados por pretensas reivindicações sociais. Mas o que aconteceu no Brasil não é isolado. Muitos países se encontram ameaçados por ações graves que atentaram contra as instituições, entre eles os Estados Unidos, a democracia tão bem declarada por Tocqueville, por manifestantes pró-Trump. 
Mas o interessante é que certos movimentos só foram possíveis porque Bolsonaro perdeu as eleições. Se Bolsonaro tivesse sido reeleito? 

 É bem provável que não houvesse condições institucionais de agir como estamos observando. 
Esse desafio de se preservar as instituições democráticas, viabilizar eleições sem intervenção de fake News e sem manipulações por robôs, como ainda evitar o impulsiobamento pago de perfis são um caminho bem longo de ser feito. Está em debate um projeto de lei que busca regulamentar as redes sociais e aumentam a responsabilidade de plataformas e provedores. Além da LGPD que já trouxe tratamento e disciplina no uso dos dados por pessoas públicas e privadas, os desafios de regulação da Internet ainda precisam de muito amadurecimento social e institucional. 
Não se sabe ainda como o TSE vai definir a inegibilidade de Bolsonaro: se dá última eleições (outubro de 2022) se não resolver inovar na ordem jurídica e segundo o previsto no Art. 22, XIV, da LC 64/90, ainda sendo enviada a cópia do processo ao MPE para avaliar se cabe ação penal oo/e processo administrativo disciplinar.
Muita coisa vai rolar na política. Aberta a porta para que Bolsonaro seja condenado em outros processos, inclusive na via penal, ja que está em curso a investigação proposta pelo Vice Procurador Geral da República que o incluiu no Inquérito 4921. 
Ainda com uma adesão de cerca de 20% de eleitores, diminuir o poder político da extrema direita e viabilizar a sociabilidade democrática diante das várias crises que vivenciamos, é um longo, delicado e perigoso caminho.

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