Um advogado visitou um cliente para comunicar o resultado de seu processo. De terno e com uma maleta de escritório do lado bateu a porta de seu representado que não via há mais de 3 anos desde a audiência de instrução. Tirou da maleta uma cópia da sentença e leu a conclusão do juiz: “julgo parcialmente procedente o pedido e condeno as partes ao ônus da sucumbência recíproca”…
O cliente sem entender nada perguntou: – Doutor, mas eu ganhei ou perdi? Me diga ai…”
Traduzindo
Um dos grandes desafios dos profissionais do direito, isto vai dos advogados, membros do Ministério Público, magistrados e outros, é se fazer compreender.
As missas deixaram de ser rezadas em latim em 1962, mas os profissionais do direito parecem ter mais amor pelo idioma morto do que os padres.
Mutatis mutandis, saber se comunicar é fundamental para toda e qualquer profissão. Mas quando os profissionais de qualquer área usam a linguagem técnica fora de seu campo simbólico de atuação profissional, também o fazem para demonstrar poder, distinção, diferenciação dos demais e influência.
“Falar dificil”
Comunica, não o conteúdo, mas a intenção de mostrar ao interlocutor que se domina um vocabulário distinto, superior e burilado. Quando impedimos que os outros tenham acesso ao conteúdo do direito, estamos pretensamente protegendo a nossa profissão. Mas é isso um grande engano.
Saber é se fazer compreender
O desafio de qualquer profissional é se fazer compreendido. De nada vale um receita médica se ninguém consegue entender o nome do remédio e como deve dele fazer uso. O atendimento acessível e humanizado deve existir em qualquer área.
Dominar um vocabulário erudito e não se comunicar efetivamente para nada serve. Não cumpre a função básica da linguagem que é se fazer entender (mesmo que filosoficamente isso seja quase impossível).
Esse desafio da comunicação jurídica chegou ao Judiciário que fez uma grande pesquisa sobre o tema.
Ciente de que a linguagem rebuscada, tecnicismo e jargões e expressões latinas em nada contribuíam para o acesso à justiça, o Conselho Nacional de Justiça- CNJ lançou em dezembro, Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples.
O objetivo é que sejam implementadas ações que facilitem o entendimento do direito.
Comunicação é democracia
O acesso à justiça passa necessariamente pela melhoria da linguagem, pela capacidade dos profissionais informarem efetivamente seus clientes e do judiciário se colocar disponível para o cidadão.
Em entrevista exclusiva ao Migalhas, o chefe do Judiciário, ministro Luís Roberto Barroso, explicou que a melhor comunicação com a sociedade seria um dos três eixos de sua gestão.
“O Judiciário se comunica mal com a sociedade. As pessoas frequentemente não entendem o que o Judiciário faz. É preciso que o Judiciário consiga se comunicar melhor com a sociedade, inclusive explicando melhor suas decisões.
Esse advogado padrão que leu a sentença para seu cliente vai ter uma grande dificuldade em “traduzir” o resultado incognoscível ao homem médio.
Há esperança
Esperamos que esse Pacto aproxime o judiciário e a sociedade. Nos entendermos é uma condição básica para quem trabalha com o direito.
Um dos prêmios de inovação de 2023 foi para a Defensoria Pública do Amazonas que introduziu no atendimento de intérprete indígena no Polo Alto Rio Negro.
A linguagem ainda é um grande desafio para um país de imensa multiplicidade étnica e de tanta desigualdade.
* Rosa Freitas é Doutura em DIreito, professora universitária, advogada e titular do escritório Rosa Freitas Advocacia e Consultoria em Direito Público.