Inteligência artificial ou manipulação do algoritmo, artigo de Rosa Freitas*

Hoje é dia 22 de janeiro de 2024 e estamos a 257 dias das eleições.
Há menos de um mês o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Alexandre de Morais, prometeu “endurecer” o tratamento para aqueles candidatos, partidos e correligionários que produzissem ou veiculassem notícias falsas, as populares fake news.
Também foi divulgada a minuta das resoluções do TSE para as eleições de 2024, de forma que os interessados tiveram até a última sexta 19 de janeiro para enviar sugestões. Estamos aguardando os debates que devem ocorrer dia 23 e 25 deste mês na audiência pública promovida pelo próprio TSE em Brasília.
Mas o que esperar? Vamos debater.

1. Existe inteligência artificial?

A primeira questão a ser enfrentada é se existe ou não inteligência artificial. Sigo a posição de Miguel Nicolelis, um dos maiores pesquisadores do mundo na área. Para ele, a inteligência é um atributo humano. Não pode haver ou ser transferida para a máquina. As máquinas não pensam, elas são programadas por humanos através de algoritmos. A capacidade de processamento dessas máquinas dobra a cada 18 meses, desde a invenção do computador no final da década de 1970. A Lei de Moore adverte o poder da máquina, mas não que a máquina possa substituir o cérebro humano.
Obviamente, o ser humano não tem a capacidade de processamento de uma máquina. A mente é um redutor de complexidade. Faz parte da vida humana não lembrar de tudo o tempo todo.
Mas quem disse que precisamos saber?

2. Algoritmo e o direito

O algoritmo provou que as decisões jurídicas podem ser medidas e processadas, existem padrões decisórios mensuráveis e preditivos . Chamamos isso de jurimetria.
Mas não significa que o computador substitui a capacidade de julgar do humano, mesmo que possa predizer a partir das informações coletadas a probabilidade da decisão e mesmo ser uma ferramenta para seu melhoramento.
Isso não torna o computador inteligente. Inteligente é quem o programa e cria/estabelece as condições de produção do discurso. Mas dizer que a “inteligência artificial” é uma inteligência ou que a máquina “pensa”, é interessante como estratégia de poder. Ninguém indaga o nome do computador, nem ele pode responder criminalmente. A culpa é um atributo humano, aquilo que a gente, por vontade ou ignorando regras técnicas e orientações, ou assumindo um resultado, faz.
Da mesma forma que o revólver não dispara sozinho, o computador também precisa do dedo que lhe aperte o gatilho ou o enter.

3. A máquina e o poder invisível

A despersonalização da máquina é frutífera para quem a usa.
As grandes corporações produtoras de informações ganham nesse processo. O seu peso político se torna cada vez mais evidente, invisivel e rarefeito, criando bolhas de ideologias, selecionando discursos com base na similaridade de interesses.
Somos seres racionais, mas rastreáveis. Ao produzirmos informações aqueles que podem identificar os padrões de raciocínio, interesses e afinadidades ou estranhezas, colocam-nos no caminho que querem que sigamos ou impede que sigamos.

4. É possível resistir?

Essa é a pergunta fundamental: qual o poder do algoritmo (ou de quem o programa) sobre cada um de nós?
Gigantesco e hoje imensurável.
Mas como a Matrix real que somos saber lidar e entender as armadilhas coloca-nos com um mínima vantagem que seja.

3. Para onde caminha a política?

Ao usar esse instrumento do algoritmo (não gosto do termo inteligência artificial) para influenciar no processo de decisão ou escolha eleitoral, deve-se buscar minimizar seus impactos. O primeiro impacto é considerar que os detentores desses sistemas têm poder político real e, mesmo não sendo autoridades públicas, podem ser penalizadas por abuso. Que poder seria esse? O poder da informação, como outra mídia qualquer, rádio, televisão, jornal, etc, porém com algo muito maior: a capacidade ilimitada de propagação.
O segundo poder seria o econômico: aquele que pode gastar mais com patrocínio e impulsionamento terá, em regra, melhores resultados.
Não é simplesmente controlar a produção de notícias falsas e sua difusão na rede. É muito mais, pensar em meios de redução ou controle desses dois poderes citados.
Mesmo que hoje termos custos de campanha delimitados, as pré-campanhas não são reguladas a contento e o poder econômico de grupos e pessoas podem determinar o pêndulo da balança.

4. Manipulação de imagens

Entre as modalidades de notícias falsas a manipulação de imagens e/ou som, as deep fakes, é a base de combate que aparece nas minutas divulgadas pelo TSE. O que se promete coibir são os usos desses instrumentos, inclusive com a necessária indicação de que as imagens/sons foram alteradas ou manipuladas por seus produtores.
Apesar da medida ser importante, é um pingo d’água nesse oceano. Mas deve essa determinação presente nas resoluções serem plenamente atendidas.

5. Reforma eleitoral

Ainda ausente de encaminhamento e aprofundamento das bases da reforma eleitoral, em que deve figurar essas novidades com maiores debates, o TSE promete ser ativista.
A composição móvel da corte, inclusive com duas novas integrantes, gera incerteza jurídica de quais entendimentos e surpresas teremos.

6. As minutas são boas?

Sim! Mas muito aquém das necessárias intervenções. Até porque não temos ainda maturidade institucional para isso.
Mas a primeira e maior correção que acredito que deve ser feita é a substituição da nomenclatura de inteligência artificial para programação algorítmica.
Nenhum computador pensa só, eles são programados e os números se traduzem em vontades humanas. Quem detém a intencionalidade presente nos números é quem tem o poder.

* Rosa Freitas é doutora em Direito, professora universitária, titular do escritório Rosa Freitas Advocacia e Consultoria em Direito Público.

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