Contrapolítica cultural e massificação capitalista: como sobreviver ao sistema?

Por Dra. Rosa Freitas (21/06/2023)

Os artistas nordestinos, cantores de forró e demais ritmos regionais, se mostraram descontentes com a “invasao” de outros estilos musicais em nossos tradicionais festejos. Além da presença “estranha” desse outsiders de outros lugares desse país continental e multirítmico, outra questão que muito incomoda são altos valores de cachê desses estranhos que nos visitam. 
 

O que está por traz disso? Cadê vez mais os órgãos de controles externos já pediram informações e diligências por contratações de alto valor, incompatíveis com os índices de desenvolvimento humano local. 
O limiar entre a autonomia e conveniência do administrador que contrata esses artistas segundo procedimento de inevitabilidade de licitação, e   a existência de alguma ilegalidade são temas que por mais que gerem descontentamento em alguns, talvez para a massa gere adesão e aplausos. Muitos imperadores Cômodo ainda circulam entre nós. 

Mas a par dessa nossa insatisfação, o Brasil tem o marco legal para o segmento de cultura, o Sistema Nacional de Cultura  previsto no Art. 216-A da Constituição Federal. A Lei n. 12.343/2010 estabelece o  Plano Nacional de Cultura. Apesar do projeto de lei do sistema ainda tramitar no Congresso Nacional. 
De forma geral, o repasse de recursos para os Estados e Municípios ou ainda para financiar projetos de artistas, podem ser custeadas pelo Fundo Nacional de Cultura, ou ainda autorizar a captação de recursos via incentivos fiscais. 
Mas isso não significa que a forma de custear grandes eventos seja com recursos do fundo ou próprios dos Estados e dos Municípios. É possível haver o patrocínio de eventos através de grandes patrocinadores. Esses patrocinadores muitss vezes não deixam o poder público “livre” para escolher os artistas de suas grades. Muitos dos artistas que se apresentam nesses eventos são indicados por esses patrocinadores. 
Se por um lado a cultura é um fenômeno dialético, vive em intensa transformação e movimento, por outro há os interesses econômicos capitalistas que patrocinam determinados ritmos e manifestações. 
Há ilegalidade nisso? Não vemos! Apesar do descontentamento da classe artística local. É uma luta injusta em todos os sentidos: espaço na televisão, nos rádios, nos streamings e redes sociais. 
Parece que o nosso sotaque se perde entre outros quase ‘dialetos’ nacionais. 
Não gosto de me referir a essas manifestações culturais como mau gosto, invocar uma autoridade estética que não acredito que alguém possua. 
Mas muito além da estética, o sufocamento é econômico, que pressiona o campo simbólico através da ausência de “palco” para as vozes locais, de uma tradição que ainda resiste. 
O plano nacional de cultura tem realmente o intuito de preservar as manifestações diversas das tradições brasileira, não só por uma estratégia simbólica, mas sobretudo, econômica e social. 
Não sei como poderia ser resolvida a questão. Atender ao apelo popular de parte dos consumidores de cultura por grandes artistas de renome nacional ou ainda reivindicar mais espaço para os locais? Não sei! Com grandes patrocinadores, em geral, o papel do administrador fica jm pouco engessado. 
Seja na reclamação de Flávio José no São João de Campina Grande, ou no clamor de Dorginal Dantas, no São João de Caruaru, nosso sotaque nordestino saiu embargado. 
Mas continuamos sendo “um cabloco sonhador, meu senhor, viu! Não queira mudar meu verso”!

Rosa Freitas

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